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segunda-feira, 15 de setembro de 2008

MECANISMOS DE IMPLEMENTAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO ÂMBITO DA ONU E DA OEA

Berenice Maria Giannella
Procuradora do Estado de São Paulo, membro do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.

I - INTRODUÇÃO

A partir de 1950, depois de estabelecida uma unidade conceitual dos direitos humanos, sua proteção internacional viu-se em crescente ascensão, tendo como características mais expressivas a multiplicidade e a diversidade dos mecanismos assecuratórios.

Os documentos internacionais voltados à garantia dos direitos humanos formam um conjunto de regras bastante diversificadas, com origens diversas (mundiais, regionais), conseqüentemente com âmbito de aplicação distinto (tanto espacialmente, quanto em relação aos beneficiários ou vítimas) e com conteúdos, força e efeitos jurídicos variáveis (meras declarações, ou convenções ratificadas, por exemplo).


Portanto, no campo dos direitos humanos, desde a Declaração Universal (1948) verifica-se a coexistência de diversos instrumentos de proteção estabelecendo regras de conteúdo material. Caminhou-se, em etapa seguinte, no sentido de dar a esses textos proteção efetiva, através da criação de órgãos com competência investigatória, consultiva ou jurisdicional. E, finalmente, vem-se gradualmente outorgando capacidade processual às vítimas, instituições, entidades e Estados-partes para agirem na busca da reparação dos direitos inerentes à condição humana, eventualmente lesados.

Para chegar-se ao ponto atual de desenvolvimento, com a existência de um direito material internacional dos direitos humanos e de um direito internacional processual voltado a garanti-lo, foi necessário superar-se a idéia de que a soberania dos Estados limitava sua formação. Pouco a pouco compreendeu-se que a proteção dos direitos humanos não se encerra na atuação do Estado, nem é questão de interesse meramente nacional ("domínio reservado do Estado").

A divisão das competências (interna ou internacional) para resolução de um conflito vem sendo estabelecida de acordo com os casos concretos levados à análise. Mas, seguramente, violações a direitos humanos e a efetiva implementação destes é tema de legítimo interesse internacional.

Os tratados de proteção dos direitos humanos não podem ser equiparados aos tratados multilaterais clássicos. Todas as convenções sobre direitos humanos são mais amplas, pois seu objeto não compreende compromissos recíprocos para o benefício mútuo dos Estados Partes, mas sim incorporam obrigações objetivas a serem cumpridas por meio de mecanismos de implementação coletiva.

Os Estados aderem aos documentos internacionais no exercício de sua soberania, ou seja, têm total liberdade para aceitar ou não o documento. Mas, após fazê-lo, assumem obrigações no plano internacional, o que equivale dizer terem aberto mão de parte desta soberania.

Em relação aos tratados de direitos humanos, maior relevância tem o sistema de proteção internacional, pois decorre, em última análise, da própria natureza dos direitos protegidos. Direitos assegurados à pessoa humana independem da nacionalidade dos indivíduos e se baseiam, exclusivamente, na sua posição de seres humanos. Os indivíduos, em relação a tais documentos e às instituições, órgãos ou entidades encarregadas de protegê-los, não aparecem através de seu Estado, mas sim "desnacionalizados".

As pessoas passam a poder exercer direitos que a elas são atribuídos diretamente pelo direito internacional (droit des gens). Uma vez reconhecidas como titulares de direitos, num passo seguinte, foi-lhes atribuída capacidade processual perante órgãos de supervisão internacional: direito de petição individual, direito de recorrer a instâncias internacionais.

Neste novo sistema de proteção, portanto, tornou-se patente que a natureza dos direitos protegidos é inerente à pessoa humana, não deriva do Estado e tem ampliada a efetiva proteção, antes limitada pelas relações diplomáticas internacionais, de cunho discricionário.

Hoje, finalmente, caminha-se no sentido da responsabilização internacional dos Estados pelo tratamento da pessoa humana.



II - O CARÁTER SUBSIDIÁRIO DA JURISDIÇÃO INTERNACIONAL

Com a evolução do sistema de proteção internacional dos direitos humanos tornou-se necessário prevenir e evitar conflitos entre as jurisdições nacional e internacional, compatibilizando-se os dispositivos convencionais (internacionais) e de direito interno.

Voltados a tal propósito, os próprios tratados contém "cláusulas de compatibilização", fazendo referência expressa aos preceitos constitucionais e leis internas dos Estados, harmonizando-os com as disposições convencionais.

Os tratados demonstram, com isso, que a proteção dos direitos humanos incumbe também — e primeiramente — aos órgãos, dispositivos e procedimentos de direitos público nacional. Afirma-se, em outras palavras, que os Estados, através de seus ordenamentos jurídicos internos, integram o sistema internacional de proteção dos direitos humanos.

Os procedimentos internacionais, neste contexto, assumem um papel não apenas subsidiário, mas também facultativo. O reconhecimento da competência dos órgãos internacionais para solução dos conflitos depende da ratificação específica da cláusula que os institui.

Pode-se dizer, desta forma, que não há ainda hoje uma jurisdição internacional compulsória, pois a implementação dos direitos humanos e dos mecanismos para sua proteção, no âmbito internacional, passam pela gradual evolução da matéria, evolução das relações entre os países.



III - EFEITOS DOS DISPOSITIVOS CONVENCIONAIS NO DIREITO INTERNO

Os tratados podem agir como normas de direito interno — uma vez ratificados — como também podem influenciar a alteração, ou criação, de regulamentação nacional específica, para harmonizar a lei interna com a disposição convencional.

No Brasil, por exemplo, os tratados que dispõem sobre direitos humanos têm sempre status constitucional. Incorporam-se ao direito nacional no mesmo patamar hierárquico da Lei Maior, conferindo direitos e garantias fundamentais individuais ou coletivas (art. 5º, § 2º da Constituição Federal).

A eficácia plena de tais direitos convencionais, todavia, depende ainda da adesão do país, no âmbito regional, ao artigo 62 do Pacto São José da Costa Rica, que institui e define a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

É justamente esta incorporação, sua medida e seus limites, que refletem a realidade ou padrão de proteção jurídica que um determinado Estado estende aos indivíduos, sendo o grau máximo conferido pela aceitação do direito de petição individual e a da jurisdição das Cortes internacionais.



IV - MÉTODOS DE IMPLEMENTAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

Os mecanismos de proteção podem operar tanto ao serem provocados pelo interessado (sistema de petições), quanto ex officio (sistema de relatórios e investigações).

a) O Sistema de Petições:

Consiste nas reclamações individuais ou de Estados, cujas condições de admissibilidade estão consignadas nos respectivos instrumentos de direitos humanos que as prevêem.

Não raras vezes podem surgir problemas pela utilização simultânea ou sucessiva de procedimentos distintos de petição, diante da multiplicidade e diversidade dos tratados na esfera mundial e regional. A configuração da "mesma matéria" sendo tratada por diferentes órgãos internacionais, em procedimentos distintos, é averiguada em relação ao objeto da causa ratione materiae e em relação às partes ratione personae.

Configurada a identidade, tem prevalência para examinar a questão o órgão da Convenção que der a mais ampla proteção ao direito lesado.

Em princípio, cabe ao reclamante escolher qual o procedimento, dentre os previstos nos instrumentos coexistentes, que considere mais favorável a seu caso, pois terá que arcar com a solução dada. O direito internacional pretende ser um droit de protection o mais efetivo possível e, assim, não condiciona nem limita o uso dos instrumentos internacionais, deixando o caminho livre ao reclamante.

b) O Sistema de Relatórios:

É um método de controle dos direitos humanos exercido ex officio pelos órgãos de supervisão internacional instituídos nos tratados, ou pelos Estados-partes.

Diversos tratados de direitos humanos dispõem que os Estados-partes devem enviar relatórios periódicos aos órgãos de supervisão, a fim de informarem sobre o cumprimento dos pactos. Recebidos os relatórios, os órgãos de supervisão, por sua vez, elaboram seus relatórios, que eventualmente servem de base para tomada de medidas contra os Estados-partes.

c) Os Procedimentos de Investigação:

Podem ser permanentes ou ad hoc. Os primeiros são institucionalizados, pois previstos nos tratados para situações específicas. Os últimos decorrem indiretamente do sistema de relatórios e de petições, uma vez que se iniciam a partir do recebimento de uma comunicação de violação aos direitos humanos

Estas investigações compreendem visitas in loco, contratação de profissionais peritos em determinadas matérias para avaliarem as queixas, oitiva de testemunhas e produção de provas em geral.



V - CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DOS MECANISMOS INTERNACIONAIS DE

PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

A proteção internacional dos direitos humanos acarreta obrigações internacionais de proteger, ou seja, gera deveres objetivos (e não discricionários) para os Estados-partes. Como conseqüência, está proibida a denegação de justiça pelo Estado-parte, ou alegação de falta de recursos para atender os deveres assumidos (limitação da possibilidade de derrogação pelos Estados das cláusulas dos pactos).

O indivíduo é protegido enquanto ser humano, independentemente de seu vínculo de nacionalidade. É a chamada "desnacionalização" da proteção, que amplia o círculo de pessoas protegidas pelo direito internacional.

A supervisão dos compromissos não cabe discricionariamente ao Estado-parte, mas sim a órgãos internacionais, que agem em defesa de valores comuns superiores ao conceito e interesse do Estado.

A falta de reparação sob um determinado instrumento não impede o recurso a outro procedimento paralelo existente (global ou regional).



VI - MECANISMOS DE IMPLEMENTAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO ÂMBITO DA ONU



1. Introdução

A criação da Organização das Nações Unidas, em 1945, foi cercada de grande expectativa, em especial quanto à sua atuação no campo da promoção e defesa dos direitos humanos, em vista dos vários espetáculos de violação de direitos humanos proporcionados pela Segunda Guerra Mundial. Desta forma, instituiu-se na ONU, já em 1946, a Comissão de Direitos Humanos, subordinada ao Conselho Econômico e Social. Logo em sua primeira sessão, realizada em 1947, a Comissão criou a Subcomissão sobre a Prevenção da Discriminação e a Proteção das Minorias.

Além da Comissão de Direitos Humanos, que é a principal destinatária das queixas de violações dos dispositivos da Declaração Universal, outros órgãos podem receber reclamações de indivíduos em determinadas situações, citando-se, como exemplo: 1. O Conselho de Tutela, que recebe reclamações provenientes dos territórios tutelados; 2. O Comitê Especial, que tem por objetivo contribuir para a implementação das diretrizes fixadas na "Declaração sobre a Concessão de Independência aos Territórios e Povos Coloniais"; 3. O Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, que recebe reclamações concernentes a este assunto. Isto sem falar no Comitê de Direitos Humanos, criado pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e por seu Protocolo Facultativo, que será objeto de estudo em outro artigo.

A Comissão de Direitos Humanos tem a incumbência de submeter propostas, recomendações e relatórios ao Conselho Econômico e Social sobre os seguintes assuntos: declarações e convenções internacionais sobre direitos civis, das mulheres, liberdade de informação e matérias similares; proteção de minorias; prevenção da discriminação com base na raça, sexo, língua ou religião; quaisquer outros assuntos relativos a direitos humanos, cabendo salientar, ainda, que coube a esta Comissão a elaboração da Declaração Universal dos Direitos do Homem, editada em 10 de dezembro de 1948.

É no seio desta Comissão que se desenvolvem o que se chama de "mecanismos extra-convencionais" para a proteção dos direitos humanos: há a elaboração de um programa mínimo que os Estados-membros da ONU devem obedecer, não havendo necessidade de ser assinados Tratados ou Pactos. As queixas de violações de direitos humanos apresentadas são, segundo procedimentos próprios, ali analisadas, podendo-se ao seu final ser tomadas Resoluções que impliquem tomada de providências por parte dos Estados membros, no sentido de se evitar ou paralisar as violações denunciadas. Afora estes, há os denominados mecanismos convencionais de proteção dos direitos humanos, inseridos nos Tratados assinados ou ratificados pelos Estados, podendo-se citar especialmente o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que serão objeto de estudo em apartado.

Para o desenvolvimento de seus trabalhos, a Comissão se vale dos três métodos acima explicitados: o sistema de petições, o de relatórios e o de investigações.

Quanto aos relatórios, a Comissão de Direitos Humanos estabeleceu, a partir de 1956, a sua periodicidade, devendo os Estados-membros da ONU comunicar os progressos realizados em relação aos direitos humanos em cada Estado. Estes relatórios, cuja sistemática foi reformulada em 1965, são transmitidos segundo um ciclo trienal: no primeiro ano, ele deve versar sobre direitos civis e políticos; no segundo sobre direitos econômicos, sociais e culturais; e no terceiro sobre liberdade de informação.

Além dos relatórios (que podem também ser feitos por agências especializadas da ONU), grupos de pessoas e entidades não governamentais podem apresentar queixas de violações de direitos humanos à ONU que consistem exatamente nas petições individuais Estas comunicações, se se referirem a casos de violações isoladas, devem obedecer ao procedimento previsto na Resolução n. 728F, de 1959. Na hipótese de as denúncias revelarem uma prática reiterada de graves violações, terão o trâmite previsto na Resolução n. 1.503, de 1970. No primeiro caso, solicita-se ao Estado acusado que se manifeste sobre a questão, transmitindo-se a resposta governamental ao peticionário Quanto ao procedimento da Resolução n. 1.503, o mesmo será estudado com mais profundidade no item abaixo.

No que toca às investigações, elas serão determinadas quer em virtude de irregularidades apontadas através do sistema de petições quer quando verificadas através do sistema de relatórios, podendo-se constituir, para tanto, comissões ad hoc, que verificarão a situação in loco, isto tudo independentemente dos mecanismos convencionais de proteção dos direitos humanos.

Ainda à título de introdução, há que se destacar que tendo em vista a existência de vários procedimentos internacionais de proteção dos direitos humanos — os desenvolvidos pela própria Comissão de Direitos Humanos e por diversos outros órgãos segundo Pactos assinados por Estados — torna-se muito importante o papel da ONU na coordenação das atividades voltadas para a promoção e defesa dos direitos humanos. No sistema de petições (individuais ou interestaduais — estas quando apresentam reclamações ou comunicações dos Estados), a coordenação deve ser dirigida no sentido de se evitar o conflito de jurisdição, a duplicação de procedimentos e a interpretação conflitiva de dispositivos dos vários instrumentos internacionais, tendo-se como diretriz sempre a primazia do dispositivo mais favorável aos indivíduos em questão. Quanto ao sistema de relatórios, a coordenação significa a sua padronização e a consolidação das diretrizes uniformes, quanto à forma e ao conteúdo. Quanto ao sistema de investigações, a coordenação envolve o intercâmbio regular de informações e as consultas recíprocas entre os diversos órgãos.

Finalmente, há que se mencionar a existência da Corte Internacional de Justiça que é o principal órgão judiciário das Nações Unidas. Todas as questões relativas aos direitos humanos podem ser levadas à Corte, bastando que os Estados envolvidos aceitem expressamente a sua jurisdição. Contudo, apenas os Estados podem litigar perante a Corte.



2. As petições individuais referentes a casos de

violações de Direitos Humanos

2.1. Antecedentes históricos

A aceitação das petições individuais de reclamações referentes a violações de direitos humanos é um fato relativamente recente na história da ONU, visto que, inicialmente, houve uma forte resistência a elas.

O projeto da Declaração Universal dos Direitos Humanos, submetido à Comissão de Direitos Humanos da ONU, continha um preceito que facultava a todas as pessoas solicitar, individualmente ou em conjunto com outras, de seu governo ou das Nações Unidas providências para os abusos cometidos na esfera dos direitos humanos. Este preceito, contudo, não foi incluído no texto definitivo da Declaração, refletindo a posição cautelosa do organismo internacional no sentido de editar apenas uma carta programática. No entanto, como houvesse, então, uma convicção generalizada de que um papel de ação havia sido concedido à ONU, ela recebeu milhares de reclamações concernentes a violações de direitos humanos, reclamações estas em relação às quais a Comissão de Direitos Humanos entendeu não poder tomar nenhuma medida, simplesmente reconhecendo haver aí uma lacuna. Para tal entendimento pesou a posição contrária dos Estados signatários, temerosos em sofrer intromissões indevidas em seus assuntos internos — e portanto, mitigação de sua soberania — e também da eventual utilização política destas acusações. Para manter tal posição, os Estados recorriam freqüentemente ao artigo 2º, n. 7 da Carta que proclamava a falta de competência do organismo para a tomada de qualquer ação.

Com esta posição assumida e ratificada pelo Conselho Econômico e Social da ONU (através da Resolução n. 75 e, posteriormente, consolidada pelo Resolução n. 728F de 30.7.59), a Comissão de Direitos Humanos se limitava a receber as reclamações individuais referentes a violações de direitos humanos e encaminhá-las ao Estado contra o qual elas se dirigiam, com a omissão do nome do reclamante, se este assim o quisesse, sendo os demais Estados apenas informados a respeito em sessão privada. O Estado contra o qual se dirigia a reclamação poderia, no curso da sessão, se o quisesse, dar as informações que julgasse pertinentes. Quanto aos indivíduos ou instituições que houvessem formulado a reclamação, os mesmos eram comunicados a respeito de seu recebimento e conhecimento por parte de Comissão, fazendo-se menção expressa de que a Comissão não tinha o poder para empreender nenhuma ação a seu respeito.

Este período de "ausência de competência" para o exame das comunicações, infelizmente, perdurou durante muitos anos, prejudicando e retardando o processo de conhecimento e avaliação das violações de direitos humanos.

O abandono desta posição burocrática somente se iniciou com os esforços feitos pelos países do terceiro mundo na década de sessenta no sentido de obter um comportamento mais efetivo da entidade quanto às violações de direitos humanos referentes à discriminação racial e ao



Apartheid, em especial com a atividade do Comitê especial encarregado de examinar a aplicação das diretrizes traçadas na Declaração sobre a Concessão de Independência aos Territórios e Povos Coloniais, de 1961 e o Comitê Especial do Apartheid, de novembro de 1962. Estas comissões, pela natureza de seus mandatos, ficaram habilitadas a examinar reclamações sobre violações de direitos humanos nos países e territórios aos quais se dirigia a sua atividade, surgindo, então, a apresentação por parte da primeira comissão nominada, de provas referentes a violações de direitos humanos cometidas no território sob o domínio português. Ante tal fato, o Conselho Econômico e Social da ONU aprovou Resolução, em março de 1966, no sentido de determinar à Comissão de Direitos Humanos que examinasse a questão da violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais — compreendida aí a política de discriminação racial e de segregação e a do Apartheid em todos os países do mundo, e em particular nos países e territórios coloniais e que apresentasse ao Conselho recomendações sobre as medidas que deveriam ser tomadas para por fim a estas violações.

A discussão concernente às medidas que deveriam ser tomadas para que a Comissão de Direitos Humanos pudesse levar a cabo esta tarefa foi árdua e demorada, havendo mais que uma discussão sobre a natureza e a competência da Comissão, ou sobre a classe dos direitos violados e o território sobre o qual deveria prevalecer a investigação, mas um amplo debate entre os países temerosos de uma intervenção supranacional em assuntos que entendiam de sua exclusiva competência. Como conclusão dos extensos debates, foi editada declaração relativa aos métodos e possibilidades de ação da Comissão, assinalando-se ao Conselho Econômico e Social que, para que a Comissão de Direitos Humanos pudesse se ocupar plenamente da questão das violações de direitos humanos e das liberdades fundamentais em todos os países, seria preciso que ela dispusesse de meios de informação para a elaboração de recomendações relativas às medidas que poderiam ser tomadas para cessar as violações em todos os países. O Conselho Econômico e Social aprovou as proposições da Comissão e propôs um projeto de resolução à Assembléia Geral da ONU que editou, em 26 de outubro de 1966, a Resolução n. 2.144 que determinou ao Conselho e à Comissão que examinassem, em caráter de urgência, uma maneira de reforçar os meios de que a ONU dispunha para por fim às violações de direitos humanos, onde quer que elas ocorressem. Esta Resolução, pela novidade que ensejava, representou uma histórica e definitiva mudança de rumo na atividades da ONU na questão dos direitos humanos.

Após a edição da mencionada Resolução n. 2.144, inúmeros debates se seguiram no seio da Comissão, levando-se à edição de várias outras Resoluções, dentre as quais a mais importante — de n. 8 , datada de 16 de março de 1967 — onde a Comissão sugere as bases de um procedimento que lhe permita desenvolver ações destinadas a por fim às violações de direitos humanos. Com base nesta resolução, a Comissão decidiu: 1. Examinar, a cada ano, um ponto da agenda, com o título "questões relativas à violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, incluída a política de discriminação racial e segregação e a política do Apartheid em todos os países e, em particular, nos países e territórios coloniais e dependentes"; 2. Solicitar à Subcomissão sobre a Prevenção da Discriminação e a Proteção das Minorias que preparasse, para uso da Comissão, um relatório contendo as informações relativas a violações de direitos humanos e liberdades fundamentais procedentes de todas as fontes disponíveis, bem como incumbir-lhe de chamar a atenção da Comissão para toda a situação que conduzisse à razoável convicção de revelar um quadro persistente destas violações; 3. Pedir ao Conselho Econômico e Social que autorizasse a Comissão e a Subcomissão a examinar a informação concernente às violações graves de direitos humanos e das liberdades fundamentais contidas nas comunicações incluídas na lista preparada em conformidade com a Resolução n. 728F do Conselho (que consolidara o sistema burocrático de recebimento e estudo das comunicações individuais); 4. Pedir que se lhe autorizasse, nos casos precedentes e após um exame detido da informação deste modo reunida, a efetuar um estudo e uma investigação a fundo das situações que revelassem um quadro persistente de violações dos direitos humanos.

A maior parte das proposições da Comissão foi acolhida pelo Conselho Econômico e Social, em sua Resolução n. 1.235, de 6 de junho de 1967, que autorizou a Comissão de Direitos Humanos e a Subcomissão de Prevenção da Discriminação e a Proteção das Minorias a examinar a informação pertinente às violações notórias de direitos humanos e das liberdades fundamentais, mostrada nos casos da África do Sul e da Rodésia, contidas nas comunicações incluídas na lista confeccionada pelo Secretário Geral de acordo com a Resolução n. 728F. Como se vê, portanto, a Resolução estendeu as faculdades da Comissão e da Subcomissão, autorizando-as a examinar as reclamações propriamente ditas e não somente delas tomar conhecimento como ocorria anteriormente.

Novas discussões a respeito da competência e funcionamento da Comissão se seguiram, tendo, finalmente, o Conselho aprovado, em definitivo, projeto então apresentado pela Comissão com o título "Procedimento para examinar as comunicações relativas às violações dos direitos humanos e das liberdades fundamentais", através da Resolução n. 1.503, de 27 de maio de 1970, que ampliou e definiu as possibilidades de ação da Comissão de Direitos Humanos.

2.2. Procedimento da Resolução n. 1.503 de 1970

2.2.1. As comunicações recebidas pelo Secretário Geral da ONU

As reclamações apresentadas aos mais diversos órgãos da ONU em virtude de supostas violações de direitos humanos são todas encaminhadas ao seu Secretário Geral e recebem a denominação genérica de "comunicações" dentro da nomenclatura das Nações Unidas. A ele cabe verificar se as denúncias não são anônimas e se dizem respeito a fatos relacionados com violações de direitos humanos, sendo que elas podem ser dirigidas contra qualquer Estado, seja ou não membro das Nações Unidas. Desta análise preliminar das "comunicações", o Secretário Geral deve elaborar uma lista — que é confidencial — contendo uma breve indicação da matéria das comunicações que manifestem denúncias ou reclamações de violação de direitos humanos. Tal lista é distribuída uma vez ao mês aos membros da Comissão e da Subcomissão sobre a Prevenção da Discriminação e a Proteção de Minorias. Os nomes de seus autores não são divulgados, ao menos que eles assim concordem, sendo a eles enviado, pelo Secretário Geral, uma carta em que se acusa o recebimento da reclamação, com uma breve exposição do procedimento e o texto das resoluções pertinentes. A sorte da reclamação, no entanto, não pode ser divulgada a seu autor, com base no § 8º da Resolução n. 1.503. Os Estados- membros interessados, por sua vez, receberão uma cópia das comunicações que se refiram a eles ou aos territórios que estejam sob a sua administração, sem que se divulgue a identidade de seus autores.

Com a entrada em vigor, em 23 de março de 1976, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e seu protocolo facultativo, coube ao Secretário Geral determinar se algumas das comunicações a ele remetidas deveriam ser enviadas ao Comitê de Direitos Humanos ali previsto para seu tratamento de conformidade com as normas estabelecidas neste protocolo, nos casos dos Estados que fazem parte do referido Protocolo Facultativo. Por outro lado, há outras comunicações que, de acordo com a sua matéria, são encaminhadas ao Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho ou à UNESCO.

2.2.2. O Grupo de Trabalho

O § 1º da Resolução n. 1.503 autoriza a Subcomissão a designar um Grupo de Trabalho, composto por não mais de cinco de seus membros, para que se reúna uma vez ao ano, antes de cada período de sessões, por um tempo que não pode exceder a dez dias, para considerar, em reuniões privadas as comunicações e as respostas dos governos. Depois de analisá-las, o Grupo de Trabalho decide, por maioria de votos, quais comunicações parecem revelar um quadro persistente de violações comprovadas dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e que devem, portanto, ser submetidas à Subcomissão.

O Grupo de Trabalho também está submetido ao princípio da confidencialidade (§ 8º da Resolução n. 1.503), adotado em todas as etapas de sua tarefa, seja na realização das sessões privadas, nas medidas que se adotam, nas provas colhidas, nas fontes de informações e nos países afetados pela investigação, sendo esta confidencialidade preservada até o momento em que a Comissão de Direitos Humanos resolva fazer recomendações ao Conselho Econômico e Social.

Ao Grupo de Trabalho incumbe realizar um exame cuidadoso das comunicações, para verificar se elas reúnem o requisito de admissibilidade, tanto em seu aspecto formal quando em seu sentido material, sendo que, para assegurar uma maior cooperação e compreensão entre a Subcomissão e a Comissão, o Presidente-relator do Grupo de Trabalho é convidado a fazer parte das reuniões confidenciais da Comissão e fazer uso da palavra, se assim o desejar.

2.2.3. Admissibilidade das comunicações

As normas básicas referentes à admissibilidade das comunicações compreendem regras e critérios acerca da fonte das comunicações, de seu conteúdo, da natureza das reclamações efetuadas e sobre a eventual existência de outros recursos e o prazo para apresentar uma comunicação.

No que concerne aos autores das reclamações, o primeiro requisito é que não sejam anônimos, devendo estar claramente identificados. Cumprida esta exigência, são admitidas ratione personae as comunicações que advém de quatro categorias de autores:

a) Pessoas ou grupo de pessoas sobre as quais se possa presumir razoavelmente sejam vítimas de uma violação dos direitos humanos. Assim, não basta alegar a condição de vítima, sendo que a reclamação deve trazer elementos que permitam ao Grupo de Trabalho presumir que haja ali, efetivamente, um caso de violação;

b) Pessoa ou grupo de pessoas que tenha um conhecimento direto e fidedigno das violações;

c) Organizações não governamentais que tenham conhecimento direto e fidedigno das violações, que atuem de boa fé e com sujeição aos princípios de direitos humanos, sem recorrer a atitudes com motivação política que sejam contrárias à carta das Nações Unidas;

d) Pessoa ou grupo de pessoas que tenha conhecimento indireto da violação, devendo, in casu, a reclamação ser acompanhada de provas claras a seu respeito.

As comunicações serão inadmissíveis quando estiverem redigidas em termos ofensivos e quando contenham alusões insultantes para o Estado contra o qual se dirige a reclamação. No entanto, se a comunicação cumpre os demais requisitos estabelecidos, uma vez eliminados os termos ofensivos, ela pode ser conhecida pelo Grupo de Trabalho.

Também não se admite uma comunicação se ela tem objetivos manifestamente políticos ou contrários às disposições da Carta das Nações Unidas. Sob aquele aspecto, cabe ao Grupo de Trabalho analisar este objetivo político, devendo sobressair da reclamação não um ataque ao Estado, mas uma preocupação humanitária em relação aos direitos cuja violação se alega, sem embargo de se saber que todas as comunicações têm um fundamento político na medida em que as violações de direitos humanos que as originam são inseparáveis da atividade dos órgãos do Estado contra o qual se reclama. Quanto ao segundo aspecto, as comunicações são inadmissíveis quando os seus autores reclamam contra a restrição de direitos ou liberdades que pareça realmente justificada pela necessidade de prevenir que estes direitos e liberdades sejam usados contra os propósitos e princípios das Nações Unidas (por exemplo, invocar a supressão de liberdade de opinião quando ela está prejudicando a manutenção da paz internacional).

Finalmente são inadmissíveis as comunicações que se baseiem exclusivamente em notícias difundidas pelos meios de comunicação de massa, devendo as mesmas, se for o caso, ser acompanhadas de elementos de convicção que tornem verossímeis as afirmações ali contidas.

Ainda em relação ao aspecto da admissibilidade das comunicações há a necessidade de prévio esgotamento dos recursos internos, a menos que pareça que tais recursos sejam ineficazes ou se prolongariam além do razoável. Este prévio esgotamento nada mais é que um filtro em relação às reclamações. No entanto, ainda que não esgotados os recursos internos, a reclamação pode ser admitida especialmente em relação a hipóteses conhecidas de violações sistemáticas de direitos humanos em países cujos tribunais abdicam de seus poderes ou cujo governo não cumpre as decisões judiciais. Não se exige prova por parte do reclamante quanto ao esgotamento dos recursos internos, cabendo-lhe, no entanto, entregar junto com sua reclamação todos os elementos de que disponha a respeito do assunto.

Uma outra causa de inadmissibilidade estabelecida foi o não exame de comunicações que se refiram a casos que tenham sido solucionados pelo Estado em conformidade com os princípios enunciados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em outros instrumentos aplicáveis na esfera dos direitos humanos, donde se infere que não basta a solução pelo Estado do problema, havendo necessidade de esta solução ter sido adequada aos princípios universais dos direitos humanos.

No que concerne ao prazo para a apresentação das comunicações, exige-se apenas que elas o sejam em um "prazo razoável" depois de esgotados os recursos internos, cabendo ao Grupo de Trabalho decidir, caso a caso, o que se entende por "razoável ".

Quanto ao conteúdo das comunicações, exige-se que elas compreendam uma descrição dos fatos, a indicação do propósito da petição e os direitos que hajam sido violados, sendo que os fatos não podem se referir a uma violação individual (que estaria submetida à jurisdição interna do Estado), mas somente a violações individuais que assumam um caráter especial, ou seja, quando permitem revelar a existência de um quadro persistente de violações manifestas dos direitos humanos.

O que se deve entender por quadro persistente de violações manifestas dos direitos humanos e das liberdades fundamentais?

Para a definição deste conceito, o Grupo de Trabalho se socorre de três elementos: um temporal, um de qualidade e um de quantidade O elemento temporal se expressa com a palavra persistente, que implica em que as violações tenham uma continuidade e não se esgotem em um fato particular. O elemento quantitativo diz respeito à revelação de estar presente na hipótese um verdadeiro sistema constante de violações de direitos humanos. Quanto ao elemento qualitativo, as violações devem expressar uma política discriminatória, tratando-se de uma situação de desvalorização dos indivíduos frente ao poder do Estado cuja atuação afeta seja a uma maioria da população seja a uma minoria discriminada.

2.2.4. Exame das comunicações pela Subcomissão

A Subcomissão sobre a Prevenção da Discriminação e Proteção das Minorias, como acima se disse, é um órgão subsidiário da Comissão de Direitos Humanos e foi criada em 1947, incumbindo-lhe examinar, em sessões privadas, as comunicações feitas pelo Grupo de Trabalho. Os seus membros são experts independentes que não representam os seus Estados de nacionalidade.

A Subcomissão pode rever o juízo formado pelo Grupo de Trabalho sobre a admissibilidade das comunicações, como também pode entender que as comunicações, embora admissíveis, não representam um quadro persistente de violações manifestas dos direitos humanos, podendo, em sendo o caso, devolver as comunicações ao Grupo de Trabalho para que se façam novos estudos. Há a possibilidade, também, de haver a retirada de uma ou mais comunicações feitas por pessoas ou grupo de pessoas. Neste caso, cabe à Subcomissão verificar se a retirada se deveu à melhora na situação, ou seja, em um ato voluntário do Estado no sentido de cessar as violações — o que é válido, eis que sempre se buscaria, de todo o modo, uma solução amistosa — ou se a retirada é conseqüência de pressões sofridas pelos denunciantes, o que, é óbvio, não pode ser aceito.

Finalmente, após o exame e votação da matéria (decidida pela maioria de seus membros), a Subcomissão leva o assunto à Comissão, através de um informe confidencial acompanhado do material disponível: as reclamações, as respostas dos governos, as eventuais diligências obtidas etc...

2.2.5. Exame da situação pela Comissão

Submetida a comunicação à Comissão de Direitos Humanos, ela o encaminha para exame de um Grupo de Trabalho (criado em 1974 e composto por cinco membros, designados pelo Presidente da Comissão) que deve indicar o tratamento que a elas deve ser dado pela Comissão.

As sessões para o exame das comunicações são secretas, cabendo ao Presidente-relator da comissão convidar as pessoas que possam eventualmente fazer uso da palavra, devendo ser convidados os Estados afetados a enviar representantes para falar perante a comissão e responder às perguntas que possam ser formuladas, tendo eles o direito de participar da discussão completa da situação e de estarem presentes durante a adoção da decisão final que se tome a seu respeito. Tal determinação, uma vez mais, põe em evidência a desigualdade de armas, entre os Estados e aqueles que apresentam as comunicações, que sequer têm direito a saber de seu desfecho.

A Comissão poderá, no exame das situações:

a) paralisar a consideração acerca da situação, dentro do procedimento da Resolução n. 1.503, em virtude de inexistir um quadro persistente de violações manifestas, por não existirem os requisitos para a sua admissibilidade, por considerar o momento inoportuno para o exame da situação ou porque se estima mais proveitoso submeter a situação a outro procedimento;

b) continuar com o exame, dentro do Procedimento n. 1.503, solicitando maiores informações;

c) empreender estudos profundos sobre a situação;

d) designar um comitê especial para levar a cabo uma investigação.

A Comissão poderá, ainda, devolver o caso à Subcomissão, se entender não preenchidas as exigências estabelecidas pela Resolução n. 1.503, ou mesmo mantendo a situação em estudo, pedir maiores informações ao governo respectivo, contatos estes que podem servir como um meio adequado para a melhoria da situação.

Quanto à investigação, a sua realização há de ser feita com o consentimento e colaboração do Estado afetado. Esta investigação, no entanto, conquanto pudesse à primeira vista parecer a ideal pois possibilitaria à Comissão entrar no território e verificar in loco as possíveis violações, apresenta vários problemas, na medida em que contém em si uma contradição, qual seja a de contar com a colaboração do Estado que, através de seus órgãos, provocou a violação.

De todo o modo, o consentimento do Estado é exigido, bem como a sua colaboração, sendo fixadas, de comum acordo, as condições em que ocorrerá a investigação. Estas condições, no entanto, não podem reduzir a atividade investigatória e nem o acesso a suas fontes oficiais. Outrossim, dois outros requisitos devem estas preenchidos para que uma investigação possa ter início: que se hajam utilizados e esgotados todos os recursos internos e que a situação não se relacione a uma questão que já está sendo estudada através de outros procedimentos ou por outros organismos especializados da ONU, através de convênios regionais ou que o Estado não tenha preferido recorrer a outros procedimentos de conformidade com acordos internacionais gerais ou especiais de que façam parte. (estudos já feitos através dos procedimentos previstos no Pacto dos Direitos Civis e Políticos e em seu protocolo facultativo, na OIT, na Unesco...).

A composição do comitê especial de investigação será determinada pela Comissão devendo seus membros ser personalidades independentes que ofereçam plena garantia de competência e imparcialidade, sendo sua designação dependente de aprovação do governo interessado. O comitê estabelecerá o seu regimento interno, incluído o quorum de aprovação de suas deliberações, podendo receber comunicações e colher testemunhos. Suas reuniões e procedimentos serão sigilosos e o comitê pode, no decorrer de seu trabalho, procurar soluções amigáveis antes, durante e depois da investigação. O trabalho do comitê termina com as observações e sugestões feitas à Comissão de Direitos Humanos que pode, depois, formular recomendações ao Conselho Econômico e Social.

Afora a investigação, a Comissão pode levar a cabo um estudo profundo sobre a situação e apresentá-lo ao Conselho Econômico e Social. A diferença entre a investigação e o estudo é difícil de estabelecer, sendo que, sob o ponto de vista estritamente formal, a investigação requer o assentimento do governo afetado e o estudo, não. Por outro lado, nem a Resolução n. 1.503 nem a n. 1.235 estabelecem normas sobre o modo e prazo para a realização do estudo, de modo que cabe à Comissão estabelecê-las para cada caso concreto.

2.2.6. Publicidade das decisões da Comissão

Como antes se disse, as medidas tomadas pela Comissão são confidenciais, até que ela decida formular recomendações para o Conselho Econômico e Social. Este, ao recebê-las poderá formular recomendações diretamente aos governos interessados ou submetê-las à Assembléia Geral.

No que concerne à confidencialidade das discussões levadas a cabo pela Comissão, uma longa discussão se travou desde a edição da Resolução n. 1.503, especialmente no sentido de ser possível dar qualquer tipo de publicidade quanto ao país que está sendo objeto de investigação. A partir de 1979, decidiu-se que a Comissão poderia dar publicidade tão somente dos nomes dos países envolvidos em violações de direitos humanos e que estavam sendo objeto de investigação ou estudo pela Comissão, sem que, no entanto, fosse possível divulgar qualquer outro dado a respeito. Esta decisão, conquanto tenha significado um avanço, também não foi isenta de críticas, tanto por parte daqueles que pretendiam uma maior informação para a efetividade do Procedimento n. 1.503, como também por aqueles que entendiam haver falta de igualdade na simples menção do nome do Estado envolvido.

Esta confidencialidade que se encontra mantida — concernente à proibição de divulgar as decisões que, em sessão secreta, sejam adotadas e os materiais confidenciais que foram considerados para adotá-las — constitui-se em sério obstáculo à efetividade do Procedimento n. 1.503, em especial porque, muitas vezes, é a própria publicidade que faz com que cessem as violações denunciadas.



VII - MECANISMOS DE IMPLEMENTAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO ÂMBITO DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS



1. Introdução

Após a Segunda Guerra Mundial surgiu a necessidade de reorganizar o sistema interamericano de relações, existente desde 1890, quando realizou-se a Primeira Conferência Internacional de Estados Americanos. E, assim, na Conferência de Bogotá, realizada no ano de 1948, redigiu-se a Carta da Organização dos Estados Americanos, cujo artigo 1º dispõe:

"Os Estados Americanos consagram nesta Carta a organização que vêm desenvolvendo para conseguir uma ordem de paz e de justiça, para promover sua solidariedade, intensificar sua colaboração e defender sua soberania, sua integridade territorial e sua independência".

A OEA foi reconhecida como um grupo regional dentro da estrutura maior das Nações Unidas, assim estabelecendo o artigo 1º, (7) da Carta. O papel da OEA como organismo da ONU não implica em relação de subordinação, salvo no âmbito de manutenção da paz no mundo. A OEA é, ao contrário, órgão de aplicação dos objetivos da própria ONU, limitada às Américas.

Composta por todos os Estados Americanos que ratificaram a Carta, caso uma nova entidade política venha a se formar, deve ratificá-la para tornar-se seu membro. Por deliberação de seu órgão maior, um determinado Estado pode ser excluído da organização, caminho aberto na década de sessenta, quando os Estados Americanos, visando punir o governo socialista cubano, deliberaram seu afastamento, por incompatibilidade com os princípios e objetivos do sistema interamericano.

Os propósitos básicos da OEA são dar aplicabilidade à Carta das Nações Unidas dentro do território americano: paz, segurança, solução pacífica de disputas, solução de problemas políticos, jurídicos e econômicos, além da promoção de desenvolvimento econômico, social e cultural e hoje, com atenção especializada também na esfera dos Direitos Humanos.



2. Os Órgãos da OEA:

CONFERÊNCIA INTERAMERICANA: tem competência para a tomada de decisões com relação à "ação e política gerais" da organização, bem como para a determinação da estrutura e funções dos demais órgãos que a compõem. Normalmente, cada conferência realiza-se em intervalos de 5 anos, em local designado na reunião anterior.

REUNIÃO DE CONSULTA DE MINISTROS DAS RELAÇÕES EXTERIORES: pela Carta, são apenas dois os propósitos específicos de tais reuniões: 1. Considerar problemas de natureza urgente e de interesse comum dos Estados americanos; 2. Servir como órgão de consulta de acordo com o Tratado de Assistência Recíproca do Rio de Janeiro (paz e conflitos). Foram também instituídas reuniões informais dos Ministros das Relações Exteriores, para tratar de assuntos potencialmente ou efetivamente de interesse comum, sem a necessidade de adoção de resoluções e outros documentos oficiais.

CONSELHO DA ORGANIZAÇÃO: órgão composto de um representante de cada Estado-membro, nomeado especialmente para o cargo, na categoria de embaixador. Sua função é promover a colaboração com a ONU, submeter propostas para a criação de novos organismos especiais, sua extinção ou adaptação, estabelecer as quotas com que cada governo deve contribuir para as despesas da organização e formular os estatutos de seus três órgãos subordinados (Conselho Econômico e Social, Conselho de Jurisconsultos e Conselho Cultural).

UNIÃO PANAMERICANA: descrita na própria Carta da OEA como "o órgão central e permanente da OEA", ou seja, é uma espécie de escritório internacional dos Estados Americanos, com função de promover as relações econômicas, sociais, jurídicas e culturais entre os Estados-membros.

CONFERÊNCIAS ESPECIALIZADAS: conferências periodicamente realizadas sobre assuntos técnicos especializados, cujos delegados participantes variam de acordo com o tema de cada encontro.

ORGANISMOS ESPECIALIZADOS: com existência anterior à Carta, mediante tratados multilaterais, tais organismos prestavam serviços para atendimento dos interesses comuns, em assuntos específicos, dos Estados Americanos. A Carta estabeleceu sua integração na Organização dos Estados e o Conselho firma com eles acordos e coordena suas atividades.



3. Órgãos do sistema de proteção dos

Direitos Humanos no âmbito da OEA

Como se verá, estes não são órgãos de execução da OEA, mas sim órgãos criados através da Convenção Americana sobre Direitos Humanos — Pacto São José da Costa Rica —, esta própria resultado da Quinta Reunião de Ministros das Relações Exteriores, ocorrida em Santiago do Chile, em 1959.

Em tal encontro adotou-se a Resolução n. VIII, sob o título "Direitos Humanos", recomendando fosse estruturado um órgão incumbido de proteger os direitos e liberdades fundamentais. O Conselho de Jurisconsultos preparou, então, o projeto de uma Convenção de Direitos Humanos e de criação de uma Comissão e de uma Corte Interamericana para a proteção dos Direitos Humanos. Acatando essa orientação, o Conselho de Organização da OEA firmou o Pacto Regional de Direitos Humanos e estabeleceu a Comissão Interamericana e a Corte Interamericana, no ano seguinte à proposta.

3.1. A Comissão Interamericana

Composta de sete membros dentre pessoas de elevado caráter moral e reconhecida competência no campo dos direitos humanos eleitos a título pessoal (sem vínculo com o Estado do qual são nacionais) pela Assembléia da OEA para um mandato renovável de quatro anos, representa a totalidade dos participantes da OEA .

A partir da Segunda Conferência Especial Interamericana, realizada no Rio de Janeiro em 1965, o órgão passou a ter atuação mais marcante, através do disposto na Resolução n. XXII, chamada de "Funções Ampliadas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos". Passou a Comissão a ter competência para receber e examinar comunicações relativas a lesões aos direitos humanos, além de supervisionar a promoção dos direitos humanos.

No desempenho de suas funções, a Comissão pode requisitar informações específicas aos países subscritores da Convenção sobre o modo pelo qual sua legislação doméstica assegura a efetiva aplicação das disposições que constam do Tratado Interamericano.

Anualmente, a Comissão elabora um relatório que submete à Assembléia Geral da OEA, no qual avalia os progressos obtidos na consolidação dos Direitos Humanos, indica países onde é preciso implementá-los e onde estão ocorrendo as maiores violações, além de comunicar os casos de denúncias recebidas e as investigações feitas.

As petições a ela dirigidas, partindo de indivíduos, grupos de pessoas, Estados-Membros ou entidades não governamentais (desde que legalmente reconhecidas em um ou mais países da OEA) passam pela análise dos seguintes requisitos de admissibilidade:

a) que os remédios internos tenham se esgotado;

b) que a queixa seja apresentada em seis meses da ciência da última decisão proferida no âmbito nacional;

c) que o assunto não esteja sendo solucionado por meio de outro procedimento internacional;

d) que constem da petição o nome, nacionalidade, profissão, domicílio e a assinatura da pessoa responsável pelo encaminhamento (salvo quando partir de Estado).

Além disso, a petição será recusada se:

a) não apresentar fatos que possam consistir em violações aos direitos humanos;

b) for manifestamente infundada ou improcedente;

c) for substancialmente a mesma de outra já apreciada;

d) for anônima, ou contiver termos ofensivos.

Admitida a comunicação, a Comissão solicita informações, em prazo por ela fixado, ao Governo acusado de transgredir as obrigações, enviando cópia das peças principais e da petição. O acusado tem 180 dias para responder ou, do contrário, presumem-se verdadeiros os fatos noticiados (desde que não sejam desmentidos por elementos da própria reclamação). O prazo de resposta, todavia, pode ser ampliado.

Recebendo a resposta, a Comissão deve verificar se ainda subsiste a violação alegada. Se não persistir, arquiva-se o procedimento. Se, todavia, perdurar, a Comissão passa a exercer sua função investigatória, podendo apreciar depoimentos escritos e verbais dos interessados, examinar documentos e proceder investigação in loco. Os Estados envolvidos estão obrigados a colaborar na atividade investigatória da Comissão.

Em casos tidos como urgentes, a Comissão pode iniciar a investigação no Estado acusado logo que receber a petição, saltando os procedimentos acima descritos, mas deve obter autorização do país acusado para tanto.

Após a investigação, a Comissão procura um acordo amigável entre as partes. Se o acordo for firmado, cópia dele será enviada ao peticionário, aos signatários da Convenção e ao Secretário-Geral da OEA, para publicação.

Se, contudo, o acordo não for possível, a Comissão prepara um relatório onde emite sua conclusão, faz propostas, recomendações e fixa prazo para solução, enviando-o às partes, mas sendo proibida a divulgação.

A parte acusada tem três meses para solucionar o conflito. Se ainda assim persistir a violação, a Comissão vota, por maioria absoluta de seus membros, a remessa do caso à Corte Interamericana e a publicação do relatório. Esta é, evidentemente, uma sanção contra o Estado culpado, exposto à opinião pública internacional.

3.2. A Corte Interamericana de Direitos Humanos

É composta por sete juízes, nacionais dos Estados que integram a OEA, eleitos a título pessoal pela Assembléia Geral da Organização, para um mandato de seis anos, renovável apenas uma vez.

Os indicados devem ser "juristas da mais elevada autoridade moral e de reconhecida competência no campo dos direitos humanos, nacionais dos Estados que os apresentem como candidatos". Não há possibilidade de dois juízes terem a mesma nacionalidade.

A Corte tem competência para resolver disputas relativas a acusações de violação dos direitos humanos por parte de um Estado (competência contenciosa) e também para interpretar os dispositivos da Convenção e de demais tratados internacionais sobre a matéria (competência consultiva).

Apenas a Comissão Interamericana e os Estados signatários da Convenção podem submeter controvérsias à Corte. Indivíduos, grupos de indivíduos e organizações não governamentais têm que acionar antes a Comissão e esta decide, ao final, sobre a conveniência de levar o caso à Corte, caso não consiga resolvê-lo. Com isso, o que se quer é privilegiar a solução consensual dos conflitos.

As partes podem comparecer perante a Corte assistidas por advogados, consultores ou outras pessoas de sua livre escolha, participando da produção de provas ativamente.

Há, porém, obstáculo outro ao acesso à Corte: o país acusado tem que ter expressamente reconhecido sua jurisdição obrigatória. Os Estados podem fazê-lo no momento em que ratificam sua adesão ao Pacto, ou posteriormente, declarando o reconhecimento da competência internacional da Corte.

Esse reconhecimento pode ser incondicional, sob condições, para determinados casos, ou por certo período de tempo. Apesar de consistir em um entrave para o exercício do poder internacional na solução das violações aos direitos humanos, a concessão se faz necessária para que, gradualmente, os países comecem a aceitar a jurisdição de Cortes Internacionais, até que elas se tornem obrigatórias.

Decidindo a questão, a Corte pode exigir o restabelecimento do direito ou liberdade feridos, a reparação das conseqüências do ilícito e o pagamento de uma justa indenização ao lesado.

As decisões da Corte são definitivas e inapeláveis, devendo ser fundamentadas e delas constando o posicionamento dos juízes dissidentes. Uma vez publicada, cópia da decisão é remetida a todos os Estados signatários. O controle da execução das sentenças cabe à Assembléia Geral da OEA, que recebe anualmente um relatório dos casos julgados pela Corte.

Finalmente, no desempenho de sua função consultiva, a Corte pode receber solicitação de qualquer membro da OEA (e não apenas os signatários do Pacto), de órgãos da própria OEA (por exemplo a Assembléia Geral, a Comissão Jurídica Interamericana ou organismos especializados) para elaboração de pareceres sobre interpretação de tratados de direitos humanos e sobre a compatibilidade de regras de direito interno com os tratados internacionais sobre a matéria.



VII - CONCLUSÃO

Em perspectiva histórica, foi superada, na implementação e na proteção internacional dos direitos humanos, a idéia de que teria limite na soberania dos países, a atribuição de capacidade postulatória a indivíduos, grupos de indivíduos e organizações não governamentais, tendo sido firmada ainda a concepção da indivisibilidade dos direitos humanos.

Defrontam-se ainda hoje os órgãos internacionais de supervisão com a questão da coexistência de mecanismos de proteção (globais e regionais), mas já está certo que tal coordenação não pode nunca se operar em prejuízo das supostas vítimas e que caberá aos próprios órgãos solucionar impasses que se apresentem.

Para o futuro, merecem atenção o reconhecimento da jurisdição das Cortes Internacionais e os limites das derrogações das cláusulas das convenções, bem como a formação de uma base protetora contra interpretação que restrinja o exercício dos direitos garantidos. Só então, poder-se-á dizer que os direitos humanos efetivamente sejam bens jurídicos internacionalmente garantidos.

Fonte: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/direitos/tratado2.htm

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